quarta-feira, março 23, 2016

Pequeno conto de Páscoa




Que feliz estava naquele dia o coelhinho branco. Com a proximidade da Páscoa, podia finalmente começar a preparar os ovinhos de chocolate que iria distribuir por todos, e a todos levar muita felicidade. 

Nada podia ficar ao acaso, pensou. Os embrulhos teriam de ser muito coloridos, com muitas fitinhas e com vários tamanhos. Pequeninos, para as criancinhas e maiores para os adultos. Por outro lado, é preciso fazer atenção aos mais pequenos que se podem engasgar com as amêndoas. Ai, tanto trabalho…

Em tudo isto pensava o coelhinho branco e tudo queria fazer com o maior detalhe, pelo que todos os dias acordava muito cedo com vista à atempada conclusão da tarefa. 

Entretanto, mais um dia de árduo trabalho se passou. O coelhinho branco retira-se para uma merecida noite de sono.

No dia seguinte, acorda com uma estranha sensação de dúvida. Vai de imediato verificar os ovinhos e, a visão foi aterradora. O galo da capoeira vizinha, movido por furioso repente de ciúmes, resolvera destruir todo o seu trabalho. Segundo ele, só aos galos era permitido a posse de ovos pelo que tomou a liberdade de destruir todos os que não lhe pertenciam.
O coelhinho branco ficou muito triste. Aos poucos, a sua tristeza foi-se transformando numa fúria moderada que rapidamente passou a histeria colérica.  

Os seus olhos ficaram vermelhos de raiva. As veias do pescoço engrossaram e, embora sem aparente explicação, todos os seus músculos retesaram conferindo-lhe um aspecto de pequeno culturista peludo. 

Apodera-se da afiada faca do pão e esventra de imediato o galo que com um último e abafado cacarejar se esvai em sangue. Mas ainda não era suficiente. O coelhinho branco queria mais. Muito mais. Opta por lhe beber o sangue directamente do pescoço, cuja cabeça acabara de decepar. Segue então para a capoeira e lança a cabeça do infeliz para entre as galinhas que, horrorizadas, esvoaçaram em todas as direcções.



 Entra, ainda com o sangue quente a escorrer-lhe pelo rosto e parte com tenebrosa satisfação todos os ovos que encontra pela frente. Urra e inicia uma série de mortais facadas a todas as aterrorizadas galinhas que, em pânico, se empilhavam a um canto. Nenhuma escapou. 
Um pouco adiante, duas pequenas ovelhas assistiam espantadas ao massacre. Erro mortal. Movido pelo recente instinto sanguinário, o coelhinho branco, após cortar as patas às ovelhinhas coloca-lhes as cabeças junto às dobradiças do portão da quinta, que fecha violentamente e que com um barulho seco lhes trucida os crânios.

Ao ver passar o caseiro com a serra elétrica ligada, nova ideia surge. Consegue fazê-lo tropeçar e cair justo em cima de uma porquinha que deitada amamentava os seus filhotes. Ficou de imediato cortada em dois, ante os agudos guinchos dos recém-órfãos leitões que fugiam sem direcção. Ao cair numa poça de água, a serra elétrica produziu um curto-circuito que de imediato fritou o inocente agricultor. 


Ainda insatisfeito, empurra o barril de ácido sulfúrico utilizado pelas baterias para o pequeno lago dos patinhos, que de pronto esturricaram. Aos que ainda tentaram fugir, cortou-lhes as asinhas e empurrou-os de novo para o mortal líquido. 

Nunca se chegou a saber qual o destino do coelhinho branco mas, enquanto a Páscoa for celebrada, podemos ter a certeza que haverá sempre um coelhinho branco disposto a tudo pela nossa felicidade.

Assim sendo, boa Páscoa para todos!