Eis outra análise baseada em factos verídicos, talvez com o acrescento de um ou outro detalhe, mas sempre com a isenção que me caracteriza. Passou-se com um amigo com que jantei recentemente.
Assim sendo, está o referido amigo em plena reunião com alguns clientes, quando toca o telefone.
Percebe que é a esposa. Resolve não atender antes de terminar a reunião para então, com toda a calma, lhe poder dedicar a atenção que qualquer esposa merece.
Clica no “no” do telefone e segue a conversa com os clientes. O telefone insiste em tocar. Percebe que é novamente a esposa. Os próprios clientes lhe sugerem que atenda, pois pode ser importante. Atende. Os nomes empregues doravante são fictícios.
-Paulo…
-Diz, amor… estou aqui em reunião…
-Sim, mas é rápido… diz-me só qual é o teu número de camisa…
-De quê?... De camisa?... Não faço ideia…Porquê?...
-Estou aqui a comprar-te umas camisas… e precisava de saber o número…
-Ò Ana, não sei… mas não podemos falar disso depois?...
-Mas agora é que estou na loja…
-Mas estou a meio de uma reunião…
-Também não te custa nada… e só dizeres o número…
-Mas não sei… a sério, não sei…
-E não podes ver?
-Ver?... Ver como?...
-Tiras a que tens vestida e vês…
-Ò Ana… mas estou a meio de uma reunião…
-Pedes licença e vais num instante à casa de banho…
-Não; Ana… agora não posso. Desculpa mas agora não posso.
-Estás a ver?... Estás a ver como é que tu és?.... Eu esforço-me por te arranjar uma camisa… e
tu tratas-me assim…
-Mas assim como, Ana… só te disse que agora não posso… estou em reunião… podemos falar
daqui a meia hora?...
-Mas está em saldo… e daqui a bocado pode já não haver…
-Ò Ana… traz um tamanho largo…
-Mas isso não pode ser assim… até porque nos saldos eles não aceitam devoluções…vê lá o
número…
Entretanto os próprios clientes, para o deixar mais à vontade, fazem sinal que vão beber um café. Ele faz-lhes aquele olhar de “desculpem lá qualquer coisinha” e continua.
-Pronto, Ana… diz lá…
-Outra vez?... Já te disse… diz-me o número da tua camisa…
-Pronto… espera… deixa ver…
Despe o casaco, desaperta a gravata e tira a camisa. Procura mas não encontra nada escrito.
-Estou aqui a ver… mas não descubro nada…
-Ou está no colarinho ou está de lado… vê lá bem…
Ele procura novamente, mas em vão.
-Não, não está cá nada…
-Como é que não está nada?... Arrancaste a etiqueta?...
-Eu?... Que etiqueta?...
-A etiqueta do número…
-Não, Ana… não arranquei nada…
-Então como é que ela desapareceu?...
-Ò Ana… como é que queres que eu saiba… queres que chame a polícia?...
- (Aumentando o tom) Olha… estou eu aqui a fazer o favor de te comprar roupa… e tu ainda por
cima gozas?...
-Não estou a gozar… mas não sei da etiqueta…
-Se calhar o melhor é seres tu a tratar das tuas coisas… eu é que sou parva por ainda me
preocupar contigo…
-Não é isso, Ana… desculpa… mas apanhaste-me a meio de uma reunião…
-Sim… quando é para mim… tens sempre qualquer coisa primeiro…
-Mas estou a trabalhar…
- (Amuada) Então está bem… falamos logo.
E desliga o telefone deixando o meu amigo sem camisa e com a gravata afrouxada. Quando acaba de se vestir, a esposa telefona novamente.
-Paulo?...
-Diz…
-Agora já não é pela camisa… já desisti… mas a que horas é que vamos para casa dos meus
pais?...
- (Lembrando-se) Ah… pois é… o jantar… Ò Ana… só vou conseguir sair daqui lá pelas oito…
-Só às oito? … Então… a que horas é que lá vamos chegar?... Já sabes que eles não gostam de
jantar tarde…
-Pois sei, pois sei… mas não vou conseguir sair antes disso…
-Já sabias do jantar há uma semana… podias ter arranjado maneira de sair mais cedo…pelo
menos hoje…
-Ò Ana… mas são coisas que aparecem… como é que eu ia adivinhar…
-Mas sabes que eles não gostam de jantar tarde…
-Pois é… mas vão ter de compreender…
-Claro… quando é o que tu queres, todos têm de compreender… mas tu não fazes nada para
compreender os outros…
-Ò Ana… mas estou a trabalhar…
-Sim… isso já ouvi… se calhar o melhor é desmarcar…
-Não é preciso… diz só que chegamos um bocado atrasados…
-Como da outra vez…
- (Decidido) Desculpa, Ana… tenho aqui clientes… temos de falar depois… agora não posso…
-Não queres falar mais, não é?... Quando não te interessa…
-Não poso, Ana… não posso… estou a trabalhar… falamos depois…
Ela desliga. Ele fica a olhar para o telefone com ar cansado e combalido. Os clientes regressam. Novamente o telefone toca. Mais uma vez pede desculpa e, revirando os olhos, atende.
-Ana…
- Só para te dizer que não precisas de me tratar mal quando te falo para o emprego… mas tu és
assim mesmo. Já te comprei a camisa e o jantar logo é pelas oito e meia. Não te atrases.
E desliga.
Confessem, caros leitores… que seria de nós sem elas?
Até breve.