quinta-feira, janeiro 16, 2014

Porte de armas – Análise problemática

Acreditem ou não, o Parlamento italiano aprovou recentemente uma lei que autoriza o uso e porte de armas de fogo a qualquer cidadão que o deseje. Felizmente, o seu uso será limitado a casos de legítima defesa, seja isso o que for...

Em nome do desporto, todos esperamos que o guarda – redes da selecção Italiana não leve esta medida muita à risca, mas a nova lei vai permitir a qualquer pessoa disparar a matar, desde que se sinta ameaçada na sua integridade ou na defesa dos seus bens.

Parece-me uma lei coerente. Só pela violência é possível deter a violência, já todos sabíamos.

O regresso aos saudosos tempos do “Far west” foi aprovado por maioria no parlamento. “Se se sentirem ameaçados, disparem sem hesitar”. Eis a nova palavra de ordem dos descendentes de Júlio César.

O governo vê nesta medida uma forma de resposta à contínua violência existente no norte do País. A sempre actual técnica do “olho por olho” fará com que o assaltante pense duas vezes antes de furtar o carregamento de “canneloni” congelados que semanalmente chega aos restaurantes do bairro vizinho.

Deixa de ser necessário, à laia de mafioso vingativo, colocar a cabeça do cavalo na cama do inimigo. Uma vez alegada “integridade ameaçada”, qualquer um pode descarregar a sua automática, legalmente comprada, na cabeça do ameaçador. Prático, convenhamos, e a classe equídea agradece…

Como pacífico Português, não consigo ficar indiferente a esta atitude. Ser ameaçado na minha integridade ou nos meus bens autorizam pronto morticínio?... Quais as vantagens de tão pacifista lei? E se a moda pega e ela chega ao nosso brando País? O que se poderia passar, em nome de uma “integridade ameaçada”? Vejamos:

Uma qualquer aguerrida discussão futebolística, umas cervejas à mistura, um inconsequente mas brusco movimento, e truca… uma bala entre os olhos. “Eu sabia lá que o raio do benfiquista ia puxar da carteira” afirmaria o justiceiro, “ julguei que ia sacar do cartão de sócio e senti-me ameaçado na minha integridade“. Seria um caso legítimo, ao abrigo da nova lei.

E, por falar nisso, quantos de nós não nos sentimos alguma vez ameaçados na nossa integridade orçamental quando, por exemplo, a conta do restaurante traz uns zeros a mais? Tudo se resolveria da seguinte forma: O cliente, ameaçado na sua integridade, iria disparar sobre o empregado. A empregada de mesa, por sinal esposa do recém defunto, dispararia por sua vez sobre o cliente pois a integridade do marido fora mortalmente atingida. A mulher do cliente, também com a integridade fragilizada, dispararia sobre a empregada e a cozinheira, mãe da empregada de mesa e igualmente fragilizada, abriria a cliente com a faca de escamar peixe. O patrão, ao entrar e sem perceber o enredo, dispararia sobre a cozinheira na tentativa de defender a cliente e… ficaria sozinho na sala.
Ao ver que tinha agido mal, a sua integridade seria abalada. O suicídio seria inevitável.

E, quem vai pagar a conta, perguntarão? Ninguém, caro leitor. Ninguém vai pagar a conta porque não sobra ninguém para a pagar. Se ainda fosse a tempo, aconselharia o patrão a encerrar o restaurante e optar por uma Funerária. Negócio de futuro.

Claro que, ao abrigo dessa lei, eu mesmo poderia entrar a pontapé pela agência do meu banco, manifestar-lhes a minha integridade profundamente ferida pelas últimas comissões que me debitaram, e fazer a segunda parte do “massacre de S. Valentim”. Teria a justiça e alguns clientes a meu favor…

Correr as testemunhas de Jeová a tiros de caçadeira poderia vir a ser, para aqueles que as vissem como ameaça à sua integridade, uma atitude perfeitamente compreensível. O fiscal da electricidade, caso não limpasse os pés à entrada, poderia vir a seguir o mesmo caminho e até a rapaziada responsável pelos folhetos das “pizzas” nas caixas de correio, se apanhassem alguém em dieta e mal disposto, corriam o eminente risco de serem baleados nas partes baixas.

Fica para todos pensarmos, e por aqui me fico. Já agora, estou a pensar pedir um aumento ao meu patrão. Em princípio, e receando a minha frágil integridade…não o negará!...

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